Foto: Daniel Miranda

terça-feira, 25 de maio de 2010

PARALELAS

Somos metades de única esperança.
Viajando à luz do sol e reflexos estelares.
Vítimas de invulgar inconvergência.
Nossas mãos a se buscarem na distância.
Erigem muros em alicerces diferentes.
Embora próximos, em paralelo caminhamos
Na busca das comuns experiências.
que nos devolvam os sonhos e lembranças.
Esquecidos no passado que tivemos.
Separados nos caminhos que trilhamos.
Com cega impaciência.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O faroleiro de Saugerties

Saugerties Lighthouse
Foto: Paulo Heuser
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O faroleiro de Saugerties

Paulo Heuser


Após algum tempo, posso afirmar, eles não caminham. Não os daqui, pelo menos. Quando cheguei, fiz o que faço lá, fui caminhar. Esse negócio de Fahrenheit confunde um pouco. Levantei cedo, vesti roupa esportiva e me fui porta afora. Depois de alguns minutos, tremendo, descobri duas coisas. Não havia ninguém na rua, às 6h45, e 40F não era exatamente uma temperatura agradável. Atribuí a ausência de viva alma ao frio. Foi Robert, o alemão, quem me alertou, não caminhe, disse ele, eles estranham. Robert é veterano por aqui, sabe das coisas. Ele adora o clima daqui. Outro dia amanheceu a qualquer coisa Fahrenheit que, segundo o Google, dava -6C, negativos, mesmo. O Robert saiu em mangas de camisa, soltou um suspiro extasiado, que logo congelou, e disse da beleza da primavera daqui. É bonito, as tulipas congeladas ficam lindas. Pode-se quebrá-las. O pessoal só anda de carro. Pudera, não há ônibus. Ou melhor, há, mas nunca os vi. As paradas estão lá, porém, nada dos passageiros e nada de ônibus. O nome da empresa, impresso nas placas das paradas, pode explicar alguma coisa, pois é o Expresso Leprechaun. Ou seja, para encontrá-los, deve-se ir até o fim do arco-íris.
Não prestei atenção ao aviso do Robert e insisti em caminhar, afinal, este é um país realmente livre, desde que você não caminhe, descobri depois. Observei que há avisos, em alguns quintais, alertando de que estão de olho em você. É estranho, ninguém à vista e aquelas placas. Dá nos nervos. Encontrei um parque, Locust Grove, perfeito para se caminhar. Para diminuir a desconfiança, comecei a usar o carro para ir até lá. O parque é fantástico, há trilhas, entre uma mata de um verde desconcertante de tão fantástico. Contudo, levei algum tempo para me acostumar aos sons que emanam lá de dentro, feitos pelos esquilos, veados e outros animais, ruídos de galhos quebrados e folhas se movendo. Lembra filmes de terror. Lá dentro, além dos animais e da chinesa, ninguém. Pode ser difícil explicar a chinesa, mas tentarei. Ela me deu um tremendo susto, pois saiu correndo e gritando, de dentro da floresta. Desfeito o pavor inicial, mútuo, ela me explicou que, como eu, gostava de andar e temia andar pelas ruas, pois tinha a sensação de estar sendo observada. Ao me ver, confundiu-me com um urso albino e pôs-se a correr, já que os ursos daqui não sabem que um ser humano anda sobre as próprias pernas. Pensam tratar-se de outra coisa. Robert não ficou surpreso, quando lhe contei. Ele me confidenciou que parou de caminhar, na primeira vez que veio para cá, quando foi interceptado por uma policial, motorizada, é claro. Ela recebera denúncia da presença de alguém andando, isso mesmo, a pé. A partir de então, Robert faz como eles. Vai de carro, mesmo à farmácia, que fica à distância de míseras 50 jardas, seja lá quanto for isso. Robert observou, com astúcia germânica, que o campinho de minigolfe, aqui ao lado, está sempre vazio. É porque o carrinho elétrico quebrou, explica ele. O pessoal teria de andar três jardas, seja lá quanto for isso, de um buraco ao outro.
Caso estranho aconteceu em Saugerties, no outro final de semana. Fui conhecer o farol de lá. Para chegar até ele, percorri uma trilha, em meio à mata e um pântano que só permite a passagem durante a maré baixa. Sozinho, para variar. Não havia nem chinesas por lá. Nem ursos albinos, nada. Após 800 jardas, seja lá quanto for isso, cheguei ao farol, que faz jus ao nome de lighthouse, pois tem formato de uma casa, na confluência do Hudson com o Eposus. O lugar apresenta uma desolação poética, açoitado pelo vento, em meio à solidão do pântano. Para minha surpresa, abriu-se uma porta, e surgiu um rosto muito velho, de longas barbas brancas. Ele me olhou, de cima a baixo, e falou, com voz cansada:
- O senhor não é daqui...
- Como o senhor pode saber, se nem falei?
- Ora, nenhum homem daqui anda, em pleno domingo, sem um boné na cabeça, nem na igreja! Onde está seu o carro?
Os olhos dele percorreram as redondezas, aflitos.
- Vim andando... – respondi.
- (Censurado)! - ele praguejou. – O primeiro que aparece aqui, em 47 anos, vem a pé? Por que alguém faria isso? Como é, afinal, que sairei daqui? Espero que me busquem, faz todo esse tempo!
- Ora, por que o senhor não anda até lá, afinal, são apenas 800 jardas, seja lá quanto for isso, e a trilha não é tão ruim. Além do que, o senhor não veio para cá de carro, não é?
- Não, mas aqueles foram outros tempos...
Ele fechou a porta e me deixou sozinho, a pensar em quanto faltaria para a maré subir.



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terça-feira, 11 de maio de 2010

CONDICIONAMENTO

Ante o medo e a expectativa o homem está sujeito a estranhos procedimentos, somente justificáveis pelo avanço da medicina e a vontade de espichar um pouco mais sua vivência sobre a terra
Primeiro as recomendações calcadas em diagnósticos preocupantes, depois as instruções para os preparativos baseados em dietas específicas, compostas mais de medicamentos do que propriamente alimentação.
De permeio, se possuir plano de saúde e necessitar de autorização da mantenedora para realizar o exame recomendado, enfrenta uma fila que, por menor que seja, causa o dissabor de ver pessoas passarem a sua frente por terem avisado na recepção, e ele não, que se enquadrava em um dos grupos preferenciais: idoso, gestante ou deficiente físico, mesmo que ele aparente, sem sombra de dúvida, estar bem próximo dos setenta anos.
Vencidas estas etapas vem a sala de espera do hospital, onde são realizadas as endoscopias e as colonoscopias, nome este que o próprio Aurélio se nega a definir: informando conhecer "colonos copias", numa alusão talvez ao trabalhador da terra que aprende a copiar alguma coisa, mas no dizer médico significa o exame de parte do intestino grosso.
É inimaginável o número de pessoas que ali se reúnem, Talvez por isso o atendente, circunspeto atrás do balcão, após a identificação e assinatura de alguns papéis por parte do paciente, distribui pulseiras coloridas, embora não ponha nela qualquer sinal de identificação, fazendo com que todos se olhem para ver qual a cor que o vizinho(a) da cadeira está portando, ao mesmo tempo em que lembra maliciosamente das badaladas pulseirinhas adotadas pelos jovens para avaliação do próximo passo no jogo da conquista amorosa.
Depois vem o momento da verdade, aquele em que dependendo do diagnóstico, ele volta para casa com um sorriso nos lábios ou com o semblante carregado.
Atendentes que se multiplicam nos corredores e saletas apontam armários onde todos os pertences dos pacientes são trocados por um uniforme comum aos que se submeterão à endoscopias e colonoscopias. Em seguida os levam à ante-sala do gran finale.
Muitos pacientes conhecem as conseqüências e a necessidade de alguns cuidados antes de serem anestesiados, outros não. Esses não entendem a razão de serem questionados, quando se submetem à realização de colonoscopia, sobre se usam ou não prótese dentária, uma vez que sabem que o exame de seu intestino grosso não será realizado pela boca.
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Pereira.